23/02/04

LADRÕES DE BELEZA, por S.A.R.danápalo

LADRÕES DE BELEZA

“- Porquê as belas, meus senhores? Porque, contrariamente ao célebre adágio, a beleza não é uma promessa de felicidade mas uma certeza de desastre. Os seres belos, homens ou mulheres, são deuses que desceram até nós e que troçam de nós com a sua perfeição. Por onde passam, semeiam a divisão, a infelicidade e remetem cada um à sua mediocridade. A beleza é talvez uma luz, mas uma luz que torna a noite mais profunda; ela eleva-nos muito alto e lança-nos depois tão baixo que lamentamos ter-nos aproximado dela.” (...)
“- A beleza humana é a injustiça por excelência. Só com o seu aspecto, alguns seres desvalorizam-nos, suprimem-nos do mundo dos vivos: porquê eles e não nós? Toda a gente pode enriquecer um dia; a graça, se não se tem de nascença, nunca se alcança. Agora, meus senhores, raciocinem: se admitem como eu que a beleza é uma infâmia, um atentado contra as pessoas de bem, é preciso tirar daí as consequências, Isto quer dizer que os belos nos ofendem, nos devem uma reparação pelo ultraje cometido.” (...)
“- Os Muçulmanos têm razão ao velar as suas mulheres, ao enclausurá-las. Sabem que a aparência não é inocente.” (...)
“- Não concebe que a beleza possa ser uma tortura? E não apenas as dos ídolos da moda ou do cinema, mas aquela que nos assalta à cara ao virar da esquina e nos deixa anelantes?” (...)
“- Mesmo rara, a beleza está ainda demasiado presente, demasiado insultuosa. A sua astúcia consiste em fazer-nos acreditar que é frágil, quando na verdade desabrocha todos os dias como um escalrracho.”



O texto que acima se reproduz, é um excerto do “Ladrões de Beleza” do Pascal Bruckner, livro que acabei de ler por recomendação do Mefistófeles. É um livro estranhamente belo e ao mesmo tempo terrível e assustador. Genial. A leitura deste “Ladrões de Beleza” fez-me recordar de imediato o “O Perfume” do Patrick Süskind. Em ambos existe a eterna busca do Santo Graal, consubstanciado no belo, em ambos o objecto do desejo tem que ser punido, em ambos o desenho psicológico das personagens é lógico e terrível. E mais não me lembro do Perfume, que vou reler. Sendo obras diferentes e geniais, a semelhança que a leitura de ambas suscita, é enorme. Fui ver as datas do copyright e verifiquei que o Pascal escreveu o “Ladrões de Beleza” em 1978 e que o Süskind escreveu “O Perfume” em 1985. Recordei-me então de toda a polémica que à época, rodeou “O Perfume”, uma obra genial saída da pena de um escritor menor, que nada de semelhante escreveu mais, antes ou depois do cheirinho. Lembro-me que ainda li “A Pomba” do Süskind, à procura de um lampejo do génio que se lia no Perfume, e nada, nada; a Pomba não vale um caracol, quanto mais um rato com asas. Acresce ainda, que pelo meio do “Ladrões de Beleza” há um falhado que escreve livros de sucesso sem uma única palavra da lavra dele, copiando excertos de centenas de clássicos que conjuga e torna coerente. Da minha suspeita sobre o Süskind, já este não se livra, independentemente de ambos os livros serem obras-primas e diferentes entre si, mas ao mesmo tempo, muito próximas, demasiado próximas. Cópia, ou eterna reelaboração como o fez o Balthus em relação ao La Tour?
Ass. S.A.R.danápalo, O Belo

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