22/05/04

Maldito Pioné, por Tinoné

Eu juro que o que vou contar é verdade. Não tenho provas, mas é verdade. Estava eu um dia na Biblioteca da Universidade a ler jornais antigos, que eu gosto de ler jornais velhos e leio-os de cabo a rabo, incluindo os anúncios e a necrologia, e descubro uma pequena nota num exemplar do Diário de Notícias de 192equalquercoisa que dizia mais ou menos assim: “chegou ontem de Newcastle, no paquete tantos, o senhor engenheiro naval Álvaro de Campos, a fim de passar uma temporada em Lisboa. Ao ilustre engenheiro os nossos votos de uma boa estadia”. Fiquei siderado! Mas será mesmo o Alvaro de Campos, o tal, o heterónimo, engenheiro naval e tudo, que vivia em Newcastle, de acordo com a sua biografia oficial? Só pode! Ora uma destas, pensei eu. O Pessoa está a gozar com o pagode. Foi decilitrar ao Abel Pereira da Fonseca com um redactorzeco qualquer do DN e convenceu-o a meter o anúncio por galhofa. Foi de certeza isto. Fiquei a sentir-me como se tivesse descoberto o túmulo do Tutankhamon. Será que já alguém tinha descoberto isto? Para confirmar, que fiz eu? Descobri o telefone da Professora Teresa Rita Lopes, especialista no poeta, e liguei-lhe, meio a tremer. Senhora professora, eu peço desculpa de a incomodar, a senhora não me conhece e tal, mas eu só lhe queria dizer que descobri isto e isto. E a senhora ficou espantada! Ficou mesmo! Disse-me assim, a ver se me lembro: mas isso é espantoso. Lá me pediu as referências do jornal, apontou, agradeceu muito e ainda disse que gostava de me conhecer. E eu que seria um prazer e tal, e lá foram passando os anos e nunca mais falei com a senhora. O pior é que entretanto perdi o papelito onde tinha apontado a data do jornal. Como ainda tinha uma ideia do ano, voltei à biblioteca, estive lá horas, acabei por descobrir outra vez o anúncio e voltei a apontar. Que isto são coisas com que se impressiona a malta! E não é que voltei a perder outra vez o apontamento? Dessa vez, foi assim: eu tenho um placard de cortiça em casa onde espeto papelitos com interesse. Lá afixei o meu tesouro e um dia, imagino eu, o pioné despegou-se, foi tudo ao chão, e varreu-se para o lixo. Mas eu juro que isto é tudo verdade!

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