07/06/04

Champ !, por Porco Fascista

O professor Mário Pinto, no «Público» de hoje, traz um artigo de opinião muito interessante sobre a fundação Champallimaud. O falecido foi um capitalista frio, inteligente, calculista, reservado, polémico. Chamaram-lhe de tudo. Acusaram-no de tudo. Defendeu-se de tudo. Ganhou a todos, incluindo aos familiares mais próximos, e morreu sozinho. Não o admiro particularmente. Os meus modelos são de outras latitudes. O que me traz aqui, porém, é o que Mário Pinto insinua diplomaticamente. A Fundação que Champallimaud deixou em testamento não leva o seu nome pessoal, destina-se à investigação médica e ao benefício de todos e será realizada integralmente com capitais ganhos pelo próprio. O colunista estabelece a comparação com outras fundações privadas realizadas com capitais públicos e que perseguem fins laudatórios dos próprios patronos, beneficiam de favores políticos e de decisões de familiares que desempenham funções públicas e que deveriam defender os interesses da República mas visam o engrandecimento de uma memória pessoal e familiar. O colunista é diplomático e não refere o nome da Fundação Mário Soares. No entanto, nós aqui no «Tapor» não somos diplomáticos e eu afirmo-o com todas as letras: vai sendo tempo de abandonar o politicamente correcto e afirmar categoricamente que o país deve muito a Champallimaud. O capitalista podia ter mau feitio, mas deu ao país uma siderurgia que nunca tinha tido, uma indústria de cimentos, bancos, companhias seguradoras, um grupo financeiro que gerou uma das maiores fortunas mundiais. No fim da vida, sem alardes, discretamente, sem espírito de vingança nem vaidades, legou grande parte dos seus milhões para a constituição de uma fundação de utilidade pública. O Mário Soares pode querer escrever a história da maneira mais conveniente, convocando para tanto os escribas da Nação agregados em torno da sua fundação. Não discutimos, naturalmente, o papel que teve na fundação da democracia, mas também não sonegamos as responsabilidades que teve na maior tragédia da história portuguesa: a descolonização! A Fundação que criou está, antes do mais, a concretizar um impulso burguês, já tardio e herdeiro do liberalismo individualista, que vê na realização do indivíduo o fim supremo do Estado. Aquela Fundação é o corolário desta orientação. A Liberdade, para esta gente, é uma coisa sagrada e exprime-se pelos feitos individuais. Por isso, os burgueses esforçam-se por legarem o seu exemplo aos vindouros, agindo sobre a memória colectiva. Fazem-se pintar, fotografar e esculpir. São amigos de pintores e fotógrafos, arrogam-se amantes das artes, têm os seus escribas oficiais, organizam arquivos pessoais, dão o nome a ruas, publicam as memórias em que publicitam o seu quotidiano, os seus gostos pessoais e a sua intimidade, convencidos que tal se reveste de uma importância enorme. São regiamente magnânimos, mostram-nos a mulher, os filhos, os netos, os amigos e partilham connosco a sala de estar. O futuro conservá-los-á na memória, essa é a imortalidade que eles ambicionam e para isso se empenham no presente. Champallimaud nunca foi nada disto. Ele pertence àquela casta de homens saídos do Antigo Regime anterior à afirmação dos ideias burgueses e individualistas que, em Portugal, teve em Pombal o seu melhor exemplo e em Salazar a sua versão anacrónica , provinciana e beata. Estes buscam o bem comum dos povos e encaram o Estado como uma realização suprema que despreza os interesses particulares. Propõem uma ética do sacrifício e da austeridade. Erguem uma barreira intransponível entre o privado e o público. Desprezam a crítica porque se acham convictos do seu rumo e da validade das suas opções, como se estivessem dotados de uma certeza escatológica. Não temem a morte e acham que os vindouros lhes reconhecerão o valor e a obra. Nunca no imediato, mas num futuro longínquo. Por isso, não valorizam as adversidades do presente que encaram como passageiras. Eu acho, sinceramente, que o futuro não contemplará nenhuma das concepções: nem a superlativização do Estado, nem a canonização do «Eu» burguês. A pós-modernidade decretará a falência do Estado Absoluto, seja fundado na Luz da razão, na vontade da Providência, na soberania popular ou na sacralização dos direitos individuais. Mas, para já, devo dizer que Champallimaud, do fundo do seu corporativismo pré-liberal, lançou uma bofetada póstuma nas bochechas republicanas, laicas, socialistas, burguesas, individualistas e egocêntricas de Mário Soares. Os vindouros poderão lembrar-se de Soares mas, se tudo correr bem, beneficiarão mais com o altruísmo de Champallimaud.

2 comentários:

Anónimo disse...

No dia em que se inaugura a obra, dou com este texto e felicito-o. No alvo!

Anónimo disse...

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