22/09/05

“O Código Malhoa”, por Eleutério Brown

Ó Freitas, apareceu um homem morto no Museu José Malhoa, junto àquele quadro… - “Os Bêbados”, chefe? - Sim, sim… Vá lá e leve a Gisela, a nossa criptógrafa.- E não haverá mais ninguém de turno hoje para tomar conta do sucedido, chefe? Falta-me tão pouco para a reforma… – Eu sei, Freitas, eu sei… mas este é o nosso trabalho. Coragem, homem.

Cá estamos, Gisela. Ora então, os “Bêbados”. Já sinto arrepios… Nunca se soube porque é que aquele bêbado do centro está a sorrir, pois não? – Não…o próprio Malhoa sempre foi muito evasivo nos escritos que deixou acerca do quadro. E quem tentou investigar…. coitado do Cardoso... - Gisela, esta não é a altura para reabrir feridas. Coragem! Repara, está um pedaço de pano cozido ao colarinho do casaco do morto! Diz assim: “Lavar a 50 graus”. O que é que isto significa, rapariga? - Hhhmmmm, é claramente uma coordenada para localização de alguém. - O Lavar, claro… - Não, não, desconfio que o nome desse francês é para despistar. Conheço a técnica. Numa célebre investigação que dirigi nos Estados Unidos, sobre um assassinato junto a uma reprodução dos “Bêbados” no Metropolitan Museum, encontrei no colarinho do morto uma inscrição semelhante que dizia “Wash at 50 degrees”. Subi rapidamente os cinquenta degraus para encontrar o tal Wash, e acabei por encontrar um indivíduo com outro nome. Ainda hoje, no corredor da morte, o tipo nega que tenha cometido o crime. Bom, aqui a pista está concerteza no quadro. Traçando o tal ângulo de cinquenta graus em relação ao quadro, verificamos que a linha caí em cima do terceiro bêbado a contar da direita, o de bigode… repare, repare! O homem do sorriso está mesmo por detrás dele! Começo a perceber tudo… E veja também que a linha do bigode do homem faz um ângulo de vinte graus! - Cuidado, Gisela, estamos a entrar em terreno movediço. Vamo-nos esconder naquela arrecadação!... Já podemos sair, chefe? Sim, mas com cautela. Agora vamos ver um mapa da cidade…hhhmmm…Traçando uma linha de vinte graus desde o bigode vamos ter à sede do Grupo Onomástico “Os Josés” - Vamos lá então, mas com cautela.

Boa tarde. - Boa tarde, trazem moedas para a troca? - Moedas? - Claro, não está a ver alí escrito “grupo onomástico”? – Pensávamos que era uma ordem onomástica. Queriamos entrar em recolhimento espiritual. Mas porquê “Os Josés”, já agora? - Olhe, só o fundador é que lhe podia explicar isso, mas morreu antes da primeira reunião. Por uma qualquer estranha razão, todos os que convocou se chamavam José. - Isso é suspeito… Gisela, vamo-nos esconder naquele beco!...- Já podemos sair, chefe? - Sim, mas com cautela. Vamos voltar ao interrogatório. Psst, olhe lá, como é que morreu o vosso fundador? - Foi atropelado por um bêbedo. - Esse bêbado tinha um chapéu de abas largas amarrotado? - Por acaso, tinha. - Se vir a fotografia dele, é capaz de o reconhecer? – Talvez. - Veja então esta reprodução do quadro "Os Bêbados”, do pintor Malhoa. – Tenho mesmo que olhar para esse quadro? Cada vez que olho para ele, sinto uma pancada forte na nuca e fico inconsciente. - Não se preocupe, estamos aqui para o proteger. - Hhhmmm… quem atropelou o nosso fundador foi aquele bêbado da esquerda. Se quiserem falar com ele, vão ali ao lado, ao Grupo Onomástico “Os Mários”, uma agremiação de apoio aos asmáticos. É o senhor Mário, o fundador do grupo.

Boa tarde, o senhor Mário está? - Não, foi ontem ver os “Bêbados”, do Malhoa, e ainda não voltou. Estamos preocupados porque se esqueceu cá da bomba para as crises de asma. - E isso tem acontecido muito? - Desculpe, não posso dizer-lhe mais nada. Compreendam... E agora vão-se embora, por favor. Tenho a vida em risco. Se quiserem saber mais alguma coisa, vão a este endereço. É uma pequena capela gótica em ruinas na Escócia.

(Continua. Vai-se descobrir nos próximos capitulos que o Freitas é afinal o pai da Gisela; que o Chefe é na verdade o mandante do crime e que o Malhoa afinal sabia muito mais do que aquilo que contou, nomeadamente que a Gioconda casou secretamente com o bêbado do centro, que é o Freitas, filho do senhor José, e que vivem os dois em parte incerta na serra da Lousã, na pequena aldeia do Candal, junto ao moinho de água, onde se dedicam à produção de licor de urtigas, cujo segredo é, afinal, o motivo pelo qual tantas pessoas têm sido mortas ao longo dos anos junto ao quadro, que retrata na verdade uma prova cega de whiskies, o que justifica a referencia à tal capela na Escócia, como se vai ver).