04/02/07

Black Cat and Other Stories, por White Rabbit

Li num jornal e, por uns momentos, senti-me na América profunda, moralista e bronca: alguns encarregados de educação de uma escola de Coimbra estão em pé de guerra porque a obra de estudo escolhida pelos professores de Inglês, de entre uma lista fornecida pelo próprio Ministério da Educação, é Black Cat do genial Edgar Allan Poe. Os vigilantes Encarregados de Educação alegam que o livro é demasiado violento para ser lido por crianças de 12, 13, 14 ou 15 anos.

O argumento da violência é completamente disparatado e não pode ser tomado a sério. Comparado com os produtos mediáticos consumidos pelas indefesas criancinhas – como o Wrestling, certas séries de animação, jogos de PC ou mesmo sites da net – os contos de Poe são histórias de fadas. Em que mundo vivem os pais destas crianças?

Além disso, esse mesmo argumento da violência levaria, em coerência, estes pais extremosos a impedirem os seus filhos de lerem ou sequer de conhecerem a Bíblia antes dos 18 anos. A Bíblia é uma das obras literárias mais violentas que conheço – o sacrifício de Cristo e dos outros apóstolos, as matanças de Herodes, as chacinas do Deus do Velho Testamento, etc, etc, etc, são incrivelmente violentas e estes pais parece não terem dado por nada. E não é só a violência – a Bíblia aborda todo um manancial de vícios e perversões humanas. Devia, portanto, na lógica obscurantista desta gente, vir com bolinha no cimo da capa e ser interdita a menores de 18 anos.

Também achei incrível a reacção da Editora do livro de Poe que deu crédito a este absurdo e prontificou-se a substituir Black Cat por outra obra da lista do programa de forma gratuita. Vá lá que os professores de Inglês daquela escola conservaram a lucidez e, muito bem, não cederam.

Caso ainda fosse necessário, este é mais um exemplo de quão perniciosa pode ser a pressão dos pais junto das escolas. Nos Estados Unidos, onde isto foi levado a um grau extremo, o ensino da Teoria da Evolução das Espécies foi, pura e simplesmente banido, nalguns estados obscurantistas. No dia em que as matérias a leccionar forem escolhidas não pela sua relevância científica-pedagógica, mas por estes Comités de Protecção da Decência e da Moral Pública, teremos dado o último passo para fazer da escola um centro de produção de cidadãos politicamente correctos. Então, em vez de Edgar Allan Poe, talvez as nossas crianças aprendam a História da Floribela. Ao menos não é violenta e é animada por brilhantes intenções morais.

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