10/03/07

David La Chapelle, A Arte do Cliché, por Menino D`Oiro


O fotógrafo americano David LaChapelle chamou-me recentemente a atenção pela exuberância do seu trabalho. La Chapelle trabalhou para as principais revistas internacionais de referência; da Interview (fundada por Andy Wharol) à Face, passando pelas incontornáveis Vogue, Vanity Fair, Rolling Stone, I-D ou Vibe não houve uma que lhe tivesse escapado. Somou a isto o seu trabalho no mundo da publicidade da moda: L’Oreal, Iceberg, MTV, Ecko, Diesel Jeans, Sirius, Ford…


Esta foto não é exemplicativa do trabalho de LaChapelle. Creio que lhe falta a exuberância habitual e é circunspecta na cor. Mas acho-a um bom exemplo de como um cliché pode ser bem dito, melhor dito do que até então. A foto tem o título da modelo: chama-se Elisabeth Hurley e é da série Heaven and Hell. É uma interessante «imagem narrativa» quer dizer, possui o condão de nos fazer efabular como os quadros do Balthus, do Hopper ou da Paula Rego. Olhamos e ficamos a pensar o que se terá passado…


O homem foi expulso do Céu e vai para o Inferno? Ou depois de se ter servido da mulher, abandona-a, o ingrato? Nesse caso é ela a vítima que se agarra desesperadamente à criança e é o homem o vilão…
Mas ela está vestida. Não significa esse facto uma superioridade evidente sobre o homem nu e de costas? Qual dos dois corporiza o Poder? Qual, a Submissão? E quem é o bom e o mau nesta história?
E qual é o papel do bebé no meio disto tudo? É só um inocente, um ser angelical ou é um daqueles querubins demoníacos usados e abusados nos filmes de terror (John Carpenter, A Cidade dos Malditos, Poltergeist, Shining..). Não será ele a personagem mais poderosa do quadro?

Será tudo isto uma alusão a uma espécie de complexo de Édipo invertido – o pai, vê o seu lugar (o Céu) ocupado pelo filho (no seu antigo lugar sobrou uma estátua orgulhosa e imóvel, símbolo do seu passado glorioso) e sai para as trevas (o Inferno), derrotado e enciumado, expulso do Paraíso…


As obras de arte só valem a pena quando mexem assim connosco. De outro modo são borboletas mortas que positivistas castrados guardam em vitrines em classificas por ordem alfabética.Já sei que o David LaChapelle não suscita grande simpatia à intelectualidade dominante. Mas lá que as suas fotos têm qualquer coisa, isso é verdade…

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