21/07/07

Outra vez as caricaturas

Em 1992, o cartoonista António publicou no jornal expresso uma caricatura do Papa João Paulo II com um preservativo no nariz. O caso causou polémica e as opiniões dividiram-se. Uns defendiam a liberdade de expressão como direito fundamental, outros antepunham-lhe o respeito devido ao Papa e ao que significa para os milhões de católicos. Eu achei que, embora a caricatura de António ocultasse uma intenção indeclarada para além da crítica à posição do Vaticano sobre o uso do preservativo, o direito à liberdade de expressão sobrepõe-se e que o caricaturista tem o direito de veicular as suas opiniões, explícitas ou indeclaradas, omissas ou subliminares, tanto faz. A haver prejuízo do visado, persiste o recurso aos tribunais, pois que a lei protege tanto a liberdade de expressão quanto o bom nome. Os ofendidos devem recorrer aos tribunais em vez de alardearem o discurso justiceiro, normalmente por mãos próprias e modos violentos.

Em Fevereiro de 2006, um jornal nacionalista dinamarquês de extrema-direita publicou umas caricaturas xenófobas e preconceituosas de Maomé. A polémica incendiou a diplomacia internacional e azedou as relações com o mundo árabe. Houve, então, uma defesa unânime da liberdade de expressão como um valor fundamental do Ocidente. Eu achei as caricaturas lamentáveis e criticáveis, mas não censuráveis, no sentido em que se possa advogar a sua proibição. Mais uma vez, achei que por detrás da crítica estava algo de dissimulado, que era um sentimento preconceituoso do nacionalismo xenófobo relativamente às minorias. No entanto, e mais uma vez, compete aos tribunais agir em caso de ofensa e não às turbas ululantes nem aos demagogos justiceiros, o que só contribui para a vitimização do radicalismo xenófobo.

Agora foi em Espanha, na Catalunha, em Barcelona. Uma revista satírica, El Jueves, foi retirada das bancas por ordem expressa do juiz da Audiencia Nacional, a suprema autoridade judicial do país vizinho, porque na capa colocava uma caricatura com o príncipe das Astúrias em doggy style, com D. Letizia. Pretendia a publicação criticar as medidas do governo de Zapatero de promoção da natalidade através da atribuição de um subsídio de 2500 € por nascimento. Também aqui acho que a verdadeira mensagem está implícita e se deve relacionar com o republicanismo secessionista e radical da Catalunha que, pela ridicularização da família real, símbolo máximo da unidade espanhola, busca dissimuladamente um objectivo que vai muito para além do explicitado. Acho a caricatura de mau gosto. Não lhe acho graça absolutamente nenhuma, acho-a criticável. Mas, mais uma vez, não a acho censurável. Cabe recurso aos tribunais. Ao suspender a publicação, ao ordenar a sua retirada dos pontos de venda e ao encerrar o sítio na internet da revista, a Audiencia Nacional de Espanha está a fazer o jogo dos radicais. Por outro lado está a impor o respeitinho devido aos grandes de Espanha como valor que se sobrepõe ao da Liberdade, além do que não entende que na sociedade contemporânea, não se pode mandar encerrar e retirar uma revista. Isso era no tempo do senhor intendente Pina Manique que proibia a entrada no reino das gazetas vindas de França que propalavam ideais subversivos. Agora há a internet.

Por fim, cabe ainda perguntar se a Audiencia Nacional proibiria o que proibiu acaso o ofendido fosse o Papa, como no caso de António em 1992, ou o Profeta como no caso da Dinamarca? É que, quer em 92, quer em 2006, de Espanha ouviram-se palavras de solidariedade para com os caricaturistas e não consta que os desenhos fossem lá interditos. Haverá, no reino vizinho, dignidades incriticáveis que estão acima do Papa e do Profeta?

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