24/12/07

Uma Boa Razão Para Gostar do «Romance Histórico», por Zagazabo

Talvez seja mais uma efeito lateral do fenómeno Dan Brown mas o certo é que, nas livrarias deste país, comecei a dar por uma nova secção a crescer, a crescer, a engordar mesmo, a secção do chamado «romance histórico». Basta passarmos numa das Fnacs do burgo para verificarmos que o espaço concedido a este novo género (?) é largamente superior ao espaço concedido a áreas tão fundamentais como, por exemplo, a História, a Sociologia ou a Filosofia. As três juntas… Compreendo, por isso, a aversão com que um amigo reagia um dia destes ao género.

No entanto sempre existiu romance histórico. Muito antes do actual abastardamento do género, sempre houve autores que se dedicaram a contar histórias – a romancear – que decorrem em períodos históricos já passados. Neste sentido muito lato, qualquer romance é histórico, embora o termo se tenha popularizado enquanto designação de histórias decorridas em épocas mais remotas. Abstraiamo-nos, pois, da actual utilização abastardada da expressão. Confesso que sou um fã do romance histórico e, por isso mesmo, reajo mal à pauperização da designação. Dou-vos uma razão para adorar o género, uma razão bem Portuguesa – chama-se Fernando Campos.

Fernando Campos é, quanto a mim e com toda a subjectividade que uma afirmação deste tipo sempre encerra, o melhor escritor português vivo. Prefiro-o a Saramago que, quanto a mim, nada tem para dizer; prefiro-o a Lobo Antunes – um escritor de centelha genial; não conheço Agustina o suficiente para falar muito… Mas Fernando Campos só não tem marketing, de resto tem tudo.

Acho que ele é o último dos escritores antigos e não sei o que acontecerá aquela forma de escrever português quando ele desaparecer. Quando o leio sinto que apanho uma corrente, a corrente que se deseja imortal da grande literatura portuguesa – é como se ele fosse a sequência natural dos nossos grandes prosadores, de Vieira, de Camilo, de Herculano, de Eça... Sente-se-lhe a tradição agarrada à escrita. As fotografias de Campos nas contra capas dos seus livros fazem-me lembrar os mais velhos e mais sábios dos meus professores da faculdade. A escrita dele é labor árduo, investigação, pesquisa aturada, disciplina pura e dura. Acho-o brilhante, mas o seu brilhantismo não é o daqueles gajos que se acham eleitos, escolhidos pela iluminação divina. Os seus livros são o resultado de anos e anos de pesquisa histórica rigorosa e, para além do puro gozo que há em lermos a sua escrita refinada, complexa, sofisticada, temos sempre a sensação de estar a aprender. É uma felicidade que um país com a riqueza histórica de Portugal, única em toda a Europa, possa contar com um escritor com as características de Campos. Porque a nossa história é um manancial imenso por explorar e as gerações futuras agradecerão – se não se perder, é claro, esta ideia cada vez mais peregrina de que o conhecimento do nosso passado é fundamental e se não nos tivermos transformado, entretanto, numa colónia de férias e em empregados de camisinha branca dos europeus do Norte.

Aconselho-vos qualquer um dos três livros que li dele: a Casa do Pó de 1986, o seu primeiro, uma obra prima absoluta, que tem como pano de fundo um mistério baseado em factos reais passado no século XVI acerca da identidade de um frade de nome Pantaleão; O Cavaleiro da Águia de 2005, de trama quase policial que tem como personagem central uma das mais eminentes figuras portucalenses da reconquista: Gonçalo Mendes da Maia, braço direito do primeiro rei de Portugal; e A Sala das Perguntas de 1998, inspirado na vida e obra da grande figura que foi Damião de Góis, tesoureiro do rei D. João III na Flandres no século XVI, Humanista convicto que privou com Erasmo e Lutero e conheceu as contradições do Portugal glorioso dos Descobrimentos e o fanatismo da Inquisição. Denominador comum aos três romances: a viagem. Pantaleão viaja até à Terra Santa, passando por toda a bacia mediterrânica nas mãos de Venezianos e Turcos. Góis percorre toda a Europa Central em plena convulsão reformista e Gonçalo é também, à sua escala, um viajante. Campos é, pois, um escrito de viajens mas na sua obra o distante, olongínquo cruzam-se habilmente com o próximo. Há uma espécie de argúcia, de mestria nesta forma de os falar de Aveiro e de Coimbra e do Rio Mondego e, simultaneamente, de Anuérpia, de Jerusalém e de Constantinopla.

Podia dar-vos outras boas razões para explicar o meu fascínio pelo romance-histórico- como-deve-ser: Amin Maalouf. Tracy Chevalier. Collen McCullough. Ficarão para um próximo post. Entretanto se alguém quiser ler Fernando Campos é contactar o nosso Grão. Ele tem lá alguns. Embora, estranhamente, confesse não ter gostado lá muito d`A Casa do Pó, vá lá um gajo saber porquê…

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