12/12/10

Arturo Perez Reverte – A Sombra da Águia, por Capitão Garcia

A Sombra da águia é um livro relativamente antigo de Perez Reverte, publicado inicialmente sob a forma de folhetim jornalístico no El País em 1993. É mais um livro na mesma linha de O Hussardo ou de Um Dia Cólera. Reverte é um expert na narrativa de batalhas que ele consegue retratar com um raro espírito burlesco. Nas batalhas de Reverte vemos as vísceras, os estropiados e a crueza da guerra mas o tom não é lamechas nem melodramático é, pelo contrário, irónico e humorado.

O livro é muito bom na concisão o que se deve, sem dúvida, ao facto de ter sido elaborado como uma peça de encomenda. Talvez isso tenha sido benéfico, deu pelo menos uma aura de coerência e de concisão à narrativa. Isto de os artistas criarem por encomenda já lá vai o tempo, agora o artista limita-se a criar e dar vida ao seu daimon interior. Mas nem sempre foi assim e grandes obras primas da história da humanidade foram simplesmente encomendadas - os grandes quadros de Velásquez ou de Goya que eram pintores da corte, muito do que fizeram os magníficos holandeses que se especializaram em retratos da burguesia florescente, grandes génios da Renascença como Da Vinci ou Miguel Ângelo... No fundo, no passado era normal que a verve criadora do artista estivesse subordinado à encomenda dos poderosos - reis, nobres, burgueses abastados... Só mais tarde se normalizou o artista pessoal.

A Sombra da Águia baseia-se num acontecimento real: Em 1812 durante a campanha napoleónica da Rússia num combate adverso para as tropas franceses, o batalhão espanhol 326, constituído por prisioneiros alistados à força, tenta passar-se para o lado inimigo. Mas o seu movimento é interpretado erroneamente como um acto de coragem por Napoleão que envia em seu auxílio uma carga de cavalaria das suas tropas de elite. Para os espanhóis trata-se de manter um equilíbrio tenso e periclitante: se desertam demasiado cedo e os franceses percebem, são chacinados por estes; se desertam demasiado tarde são os russos que lhes fazem a folha. Trata-se pois de manter a a aparência de que combatem corajosamente por Napoleão até chegar o momento certo em que deixarão cair a bandeira imperial para içarem a bandeira branca da rendição (ou deserção). Só que nunca o vão chegar a fazer… O certo é que o desespero dos espanhóis espicaça os franceses que conseguem vencer uma batalha praticamente dada como perdida…

Como notas dignas do melhor Reverte deixo aqui estas duas citações finais que pretendem caracterizar a magnífica erudição de Murat, um famoso oficial de Napoleão Bonaparte:


«a respeito do cheguei, vi e venci, Murat fora buscar isso a um livro de gravuras dos filhos, qualquer coisa que um general grego, ou talvez fosse romano, tinha dito diante das muralhas de Tróia quando aquela cabra abandonou o marido para fugir com um tal Virgílio, depois de ter metido dentro de um cavalo de madeira. Ou vice versa,»


«Foi osmérico.
-Osmérico?
-Sim. Sabeis, sire: Osmero. Aquele general zarolho que conquistou Troia. O dos elefantes».

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