18/09/11

O Paraíso é um Gigantesco Clube do Bolinha, por Cipriano

O filósofo italiano Giorgio Agamben é um dos mais interessantes pensadores da actualidade. Em Nudez (2010, Relógio d`Água) ele recupera algumas das velhas e ociosas questões do pensamento teológico medieval que vale a pena partilhar. Assim, no ensaio O Corpo Glorioso, Agamben reflecte sobre a natureza e os caracteres do corpo dos ressurrectos no Paraíso.«Corpo glorioso» é, precisamente, a expressão que é dada ao corpo ressurrecto por oposição ao corpo terreno maculado.

Agamben recupera algumas questões embaraçosas para a teologia medieval, como por exemplo, em que idade deverão ressuscitar os corpos dos ressurrectos? A criança ressucitará no seu corpo imberbe de criança, o idoso no seu corpo decrépito de idoso, o homem maduro no seu apogeu? S. Tomás de Aquino respondeu que o o homem deve ressuscitar sem defeito algum e, portanto, a natureza reportará cada um à sua perfeição que coincide com sua juventude. Isto é, segundo Tomás, mais ou menos aos trinta anos, a idade de Cristo. Claro que existem aqui algumas dificuldades, nomeadamente:
1. E a criança que morreu antes de atingir a sua perfeição?
2. E o velho que já a deixou para trás?
3. Serão mesmo os trinta anos a idade do apogeu do corpo? Na idade média a esperança de vida ia mais ou menos até aos 40-50 anos. Um indivíduo de trinta seria ainda considerado um jovem? O futebol, por exemplo, joga-se muito melhor aos 20 que aos trinta, idade considerada já de pré-reforma para a maior parte dos desportistas. O Eusébio aos trinta estava a jogar no Beira Mar e já metia um bocado, vá lá, de dó vê-lo fintado por um qualquer lateral esquerdo do Leixões, com menos 10 anos em cima. O Eusébio fará falta no Paraíso aos seus vinte e não aos trinta anos e há aqui uma diferença substancial...

Seja como for, se dermos razão a S. Tomás e apontarmos os trinta anos como a idade da perfeição, seremos levados a concluir que o paraíso é um mundo de gente de trinta anos. Mas uma dificuldade acresce. Tal como é lembrado por Agamben o corpo ressurrecto não pode conter imperfeições e terá que ser por natureza perfeito. Logo, não haverá lugar no paraíso para as mulheres dada a evidente imperfeição teológica (reconhecida quer no cristianismo quer no islamismo, por exemplo) da condição feminina.

O argumento, defendido por alguns opositores de S. Tomás, de que as mulheres não podem ressuscitar dá que pensar: eu não gostaria muito de nascer como uma das setenta mulheres virgens que estão no paraíso à espera de um barbudo malcheiroso do Cairo ou de Meca. Aquilo pode ser um paraíso para o Moahmed Atta mas nunca ninguém pensou no ponto de vista das desgraçadas 70 virgens que estão lá à disposição das suas taras? É esta a recompensa de uma vida terrena passada a esconder a cara? O paraíso do fundamentalista deve ser o inferno das suas 70 mulheres.

Donde, para evitar estas aporias, deve concluir-se que, muito possivelmente, não há no Éden lugar para mulheres ( e assim se evita a imperfeição e se garante boa frequência do Estabelecimento). Todos os que forem salvos renascerão como homens! De trinta anos... O Paraíso é,então, um lugar frequentado por multidões de homens de trinta anos onde não há espaço para uma única mulher! Desconfio que um paraíso como este não deve ser lá grande coisa...

Sem comentários: