15/07/16

Somos todos campeões, por Jorge Best



Portugal é campeão da Europa. Pelo menos do ponto de vista do impacto, não apenas mediático, é o maior feito da história do desporto português. Hoje, dois dias depois do grande feito, ainda não se fala noutra coisa e ainda paira num ar um sentimento de orgulho, de irmandade nacional, de vaidade, até. Gente que não liga a futebol ou que, até mesmo, o odeia, discute encarniçadamente as virtualidades do 4-3-3 e do 4-4-2. Brotam da terra especialistas que nunca deram um singelo chuto numa bola a perorarem sobre a famigerada entrada de Payet sobre Ronaldo. Percebo esta transmutação – até de género, de repente, as mulheres transformaram-se em gabrieis alves de saias. Só indirectamente tem a ver com bola.
 
Trata-se antes de nacionalismo sublimado, do mesmo orgulho nacionalista, que dantes se manifestava a propósito das guerras e dos regressos dos guerreiros. Os nossos heróis e os vilões inimigos… Se isto fosse há mais tempo teríamos capturado o Payet e tê-lo-íamos passeado, para gáudio da multidão, pelas ruas da capital, encerrado numa gaiola para efeitos de ultraje público. Não o fizeram os romanos com Vercingétorix?

O nacionalismo é uma espécie de apendicite do ego, uma inflamação do mesmo sob a forma da nação. A nação é o ego inflamado à escala de um colectivo. E é por essa razão egoísta que de repente se descobrem à nossa volta tantos repentinos adeptos de futebol. Quando a selecção portuguesa de futebol se sagra campeã da europa, não se trata de uma simples vitória num jogo – não, somos nós que nos sagramos campeões, campeões da vida, campeões do mérito e da nobreza. A vitória dos jogadores é a nossa: «bom dia campeão», assim me saúda o sorridente empregado da loja onde me dirigi e que não me conhece de lado nenhum… Mas hoje é meu irmão, português como eu, campeão como eu…

Olho à minha volta e não consigo deixar de estranhar: aquele tipo baixinho, vestido com uma camisola de cava mais própria para a sesta, calção de banho apertado e chanatos decrépitos nos pés, também é campeão? O homem passeia-se aos esses no centro comercial, jornal infecto debaixo do ombro, tom de pele de inverno em pleno julho e mãozinha marota a coçar as partes baixas intrabolso. Também é campeão? Claro que sim e aqui temos a razão de ser do impacto desta vitória. Todos temos um pouco deste grunho que se passeia no shopping e todos nos sentimos, como ele, campeões pelo feito dos nossos. E é por isso que esta vitória é tão fantástica e há nisto algo de irracional e ao mesmo tempo de lógico. Ontem, hoje, amanhã, durante mais uns tempos, somos todos campeões.

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