23/08/16

Gates of Hell, por Nico



Observar de perto a lava borbulhante da cratera do vulcão activo de Masaya, Nicarágua, é uma experiência única! Por razões de segurança apenas podemos permanecer no cimo do vulcão durante 10 minutos (que se transformaram em 30) mas valem como se fossem 10 horas, tal a intensidade da experiência.

Trata-se de um cenário extra terrestre, de um resto de estrela a poucos metros de nós. A lava mexe-se como se fosse um pequeno mar de fogo a querer sair da terra. A cor é indizível. Fumos castanhos e cinzentos invadem o ar. Há ruídos crepitantes de fogueiras a arderem debaixo da terra. De que cor é esta lava? Nem vermelha (é mais forte que vermelho) nem laranja (é mais forte que laranja). É mar mas de fogo, é gravidade materializada e fervente. Lá em baixo, na orla do vulcão há rochas negras como breu, um cenário infernal saído dos quadros de Bosch.
 
Bobadilla e os seus conquistadores espanhóis ficaram siderados quando viram o que eu vejo agora! Pensaram estar perante uma das portas do inferno, julgaram ver ali o começo do reino dos demónios. Chamaram a este sítio las puertas del inferno (hoje, em globês, gates of hell), mas em sentido literal, não era nenhuma metáfora. A designação é a tradução fiel da mentalidade quinhentista para quem o inferno era bem real, isto é, ocupava, de facto, um lugar, um topos, situava-se algures, não era uma u-topia. E sabia-se até que ficava em baixo, no fundo de um abismo sem fim por onde os anjos revoltosos de Lúcifer levaram 999 (?) dias a cair. Para Bobadilla e os seus guerreiros espanhóis aquelas ondas de fogo fervente só podiam ser a face visível desse mundo ígneo.

Mas não foram apenas os conquistadores espanhóis a associarem este espectáculo a forças maléficas. As tribos indígenas pré-colombianas usavam esta mesma cratera de fogo como uma espécie de rocha tarpeia romana mas em versão escaldante. Este local foi um palco de sacrifícios humanos e os deuses lhes valessem, às vítimas, para que morressem na queda antes de serem engolidas por esta enorme boca de fogo. Era o preço a pagar para apaziguar os demónios que habitam no interior das profundezas. Talvez assim eles não se enfureçam e não vomitem a lava que cobre as montanhas em redor

Neste momento há uma equipa da National Geographic a filmar o vulcão. E, ao fundo, perigosamente próximo do lago de lava, uma equipa da NASA instalou a sua panóplia tecnológica para estudar o vulcão Masaya. Parece que afinal, já não há inferno. Agora o vulcão é dissecado nas categorias da geologia e da vulcanologia e auscultado pela tecnologia da agência espacial americana. Agora reina o logos. Mas volto a ver a lava borbulhante do Masaya e sinto o mesmo que os conquistadores e os nativos pré-colombianos. São as portas do inferno, sim. São demónios sim. E oxalá permaneçam sossegados por mais uns tempos…

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